sexta-feira, maio 09, 2008

Entre a ficção jurídica e a literária...

Como escritor, ora de ficção, ora como articulista e poeta, sempre tenho me debruçado sobre tópicos que envolvam texto, contexto e pretexto de escritas e a abordagem jornalísticas, no sentido amplo do termo (mídias impressa, radiofônica, televisiva, internet, etc.).
Como mestrando em Letras, a questão do imaginário é algo que estudo e tenho me aprofundado. Como bacharel em Direito, ex-assessor jurídico na área da Educação, tenho certa experiência. E com base nessa, e nas incessantes matérias veiculadas 24 horas por dia, desde o lamentável incidente, em que são acusados o pai e a madrasta pela morte violenta e injustificável da menina Isabella Nardoni, procuro analisar os dados sob os enfoques jurídico, jornalístico e literário.
Existem escritores de ficção (como é o meu caso) e outros, com denomino ironicamente de escribas de "fricção" (não no sentido sensual, mas no de escrituras sem concordância verbo-nominal e nem sempre ética e moral entre o texto e o contexto descritos). Existem muitos escritores de "fricção" na literatura, no jornalismo, no meio jurídico e outros mais, dando sua versão dos fatos, fazendo sua narrativa com base na opinião particular, como se fosse ela a única e real, sem levar em conta todo o panorama. No mundo pós-moderno, cada vez mais temos consciência de que não existe a Realidade Absoluta, mas a individual e a coletiva, fruto da tomada de posição do maior número de pessoas em torno de uma situação. Assim ocorrem os julgamentos em júri popular. Nunca obteremos com a sentença, pró ou contra, a certeza da Justiça integral. Sempre será a Justiça da maioria dos jurados. Ou seja, sem a perspectiva ampla, tudo pode ser exercício de ficção. Por conta dessas investidas de não-escritores dentro da "literatura" jornalística, política ou jurídica é que muitas vezes são cometidos abusos, que incidem direito de defesa. E nem sempre a retratação é na mesma proporção da exposição diária dos fatos. Ao deslocar o foco da imprensa para a questão jurídica, também veremos construções literárias na maioria das defesas, quando evidências são contra a mesma. Faz parte do jogo jurídico do defensor. Do ponto de vista legal é permitido.
No caso Nardoni, apesar dos exageros de parte da imprensa - que dá mais valor a audiência do que a informação -, há componente de ficção científica, ao levantarem a hipótese de possível terceira pessoa na cena do crime - que segundo os advogados de defesa do casal, poderia ser o verdadeiro criminoso.
A tática da defesa, às vezes, é a de desacreditar os indícios ou acusadores e quando isso não é possível, alegar insanidade dos acusados. Em determinados casos jurídicos, se analisados sob o enfoque da teoria literária, podemos dizer que existe um mundo diegético (imaginário), criado pelo autor/defensor que só existe no papel. Há nesse mundo a idealização da personagem. Cria-se cenário, adicionam-se dados, ficcionaliza-se a realidade, em prol da ampla defesa, e de que o acusado não produza provas contra si mesmo.
Os Srs. Alexandre e Antonio, respectivamente, pais de Anna Jatobá e Alexandre Nardoni, são progenitores dedicados, imbuídos da defesa de uma idealização que todo pai que se preze faz de seus filhos, apesar das avassaladoras evidências, indícios contra os mesmos. Em entrevista a TV, o pai de Anna Jatobá repetiu 4 vezes ao apresentador que tinha convicção da inocência da filha e do genro - embora como seus advogados, e os próprios acusados - não apresentou provas da suposta inocência. Convicção pessoal não se sobrepõe a indícios cabais. Pais dedicados - incapazes de jogar filhos pela janela nem de abusar sexualmente dos mesmos como fez o Sr. Fritzl, na Áustria, ou de deixar os filhos sozinhos pra jantar fora, como o casal McCainn, em Portugal -, fazem o seu papel de pais, que é o de acreditar piamente em seus filhos e no que eles alegam. É o instinto natural. Entrementes, motivos existem para compreensão de um crime injustificável: questões econômicas do pai (veiculado pela imprensa: pretenso pedido da mãe de Isabella de aumento da pensão alimentícia) e suposto ciúmes da madrasta, tanto da menina como de sua mãe.
Há motivos, evidências, contradições. Houve recusa de participar da reconstituição, onde poderiam ser mostradas as convicções. Enfim, entre a ficção literária (e científica) e a jurídica apresentada por defensores, tentando contestar posicionamento da polícia, dos laudos periciais, do inquérito policial, da denúncia do MP e da acolhida do pedido de prisão preventiva pela Justiça, sobra a retórica jurídico-literária que carece de fundamentação e provas mais consistentes ao seu favor. Tanto MP quanto Justiça usaram termos "fortes", segundo defesa e alguns advogados ouvidos pela imprensa, evidentemente, pois diante de fato gravíssimo, sustenta-se o pedido e a acolhida da prisão preventiva (medida drástica) de forma contundente. Não havia outra escrita, que não a realista. Aos ficcionistas e juristas de plantão dos meios de comunicação cabe a contestação. Se houve falhas, pode-se dizer de não ter sido lacrado o local do crime de imediato para evitar a “contaminação” das provas, que tudo indica provocou a distorção da realidade.
Como autor de ficção, com os dois pés bem fincados na realidade, acredito que o escritor, de fato, ao escrever sua ficção crítica da sociedade fala mais verdades que qualquer jornalista, político, jurista, advogado e historiador. Há mais verdade na ficção de Machado de Assis do que qualquer jornal de sua época. É opinião pessoal, sujeita a contestações e retratações, caso me provem o contrário. Gostaria de estar errado no meu julgamento pessoal do caso, porém a menos que o tempo mostre a todos, com provas e não convicções pessoais, a intervenção sobrenatural, ou suposto terceiro agressor, não passam de ficção. E entre a ficção jurídica e a literária, prefiro o segundo caso, com base no acima exposto.
Observação: Imagem acima, intitulada "Everything You Learn Burn" (algo como "Saiba tudo o que você queimar", tradução livre), de 2005, óleo sobre tela, extraída da internet do endereço
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