Sociedade High-Tech
O livro de Alain de Botton, filósofo suíço, intitulado Como Proust pode mudar sua vida, traz, entre tantas considerações sobre arte, cultura e literatura, as vivências e opiniões de Marcel Proust, autor de Em Busca do Tempo Perdido, contidas em sua obra literária, que poderiam servir de inspiração a vida de seus leitores. Um trecho, em especial, resolvi destacar para fundamentar minha opinião sobre a alta tecnologia presente em nosso cotidiano. Leiam o fragmento abaixo, extraído do livro de De Botton:
"Pegue o exemplo, nada sentimental, do telefone. Bell o inventou em 1876. Por volta de 1900, existiam trinta mil aparelhos de telefone na França. Proust rapidamente adquiriu um (tel. 29205) e gostava em especial de um serviço chamado 'teatro-fone', que lhe permitia escutar ao vivo óperas e peças de teatro da temporada parisiense.
Ele pode ter ficado satisfeito com o seu telefone, mas notou que rapidamente todas as outras pessoas à sua volta também começaram a comprar os seus. Já em 1907, ele escreveu que o aparelho era
um instrumento sobrenatural, um milagre diante do qual ficamos inicialmente perplexos, mas que hoje usamos sem lhe dar a menor atenção, para chamar o nosso alfaiate ou pedir um sorvete.
(...) Bastaram pouco mais de três décadas para que uma maravilha tecnológica deixasse de atrair olhares de admiração e se tornasse, um objeto doméstico que não hesitaríamos em condenar se fosse o responsável pela pequena inconveniência de um glace au chocolat atrasado".
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Diante deste fragmento, presente às páginas 157-158, do livro acima citado, cabe comentar como, em questão não mais de décadas mas de meses, os avanços tecnológicos ficam triviais, banais, diante do consumismo de nossa civilização. Há cerca de 30 anos atrás, ou seja, no ano de 1978, quanta coisa, hoje banal, sequer existia como as temos atualmente: computador pessoal, CD, DVD, TV Digital, telefonia móvel (celular), internet, GPS, código de barras (já ficando ultrapassado), urna eletrônica (mudando o sistema, para leitura biométrica, que reconhecerá o eleitor pela sua digital); enfim, em termos de alta tecnologia, três décadas representam quase 3 séculos em relação ao conhecimento adquirido e à própria tecnologia existente antes de meados do século XX e início do século XXI.
Não bastasse isso, incorporamos uma cultura high-tech a nossa vida, em que se nosso celular não funciona, a TV a cabo sai fora do ar, o computador trava ou a internet cai, ficamos meio que ilhados, como um Robinson Crusoé do terceiro Milênio. Nos acostumamos tanto com a tecnologia que quando ela entra em colapso, ai sim, nos damos conta de que o banal para uns, é vital para outros.
Nossa sociedade global, cada vez mais high-tech, quanto mais avança tecnologicamente, parece regredir em termos de relações humanas. E a tão propalada inteligência artificial poderá, nas próximas décadas, segundo especialistas, tornar-se corriqueira, incorporada às máquinas inteligentes, que poderão analisar dados e tomar decisões em frações de segundo. O que parecia ficção antes, hoje já é realidade.
Porém, remetendo a Proust, sua vida e obra, há que se lembrar que existem coisas que por mais "sobrenaturais" que possam parecer, não irão suplantar a emoção da vida real. Eu, particularmente, não trocaria assistir um jogo do time do coração (S.C. Internacional) num estádio de futebol lotado ou ver um bom filme na tela grande do cinema, pela assistência dos mesmos diante de um equipamento de home theatre de última geração. Claro que hoje, tanto ir ao cinema como a um estádio de futebol, são situações que beiram ao sobrenatural, pela violência e risco que impõe uma sociedade high-tech, repleta de hooligans e arruaceiros, que não permitem que pessoas comuns possam se divertir. Violência banalizada pelos noticiários que não chocam mais como três décadas atrás. O grande desafio do século XXI é fazer que a Sociedade high-tech, cada vez mais dependente da tecnologia, aprenda a valorizar as pequenas coisas da vida, quase em extinção, como ouvir uma música que tenha letra e ritmo inteligíveis, e não apenas o som hipnótico de um bate estaca. Um filme que não se resuma apenas a efeitos especiais e outras coisas mais.
Da mesma forma que, por mais que as máquinas sejam inteligentes, jamais irão substituir o professor, que usa suas emoções e vivências para passar conteúdo programático da disciplina, seus conteúdos e competências. O bom educador é insubstituível, pois nenhum máquina, por mais sofisticada e complexa que seja poderá imitar a inventidade e a afetividade humanas. É claro que existem professores que adoram o chamado ensino robotizado, em que os alunos ficam sentados, enfileirados, ouvindo tudo calados, dizendo sim senhor(a), não senhor(a). Mas esses sim, ao insistirem em aulas de forma mecânica e repetitiva, é que correm perigo de extinção num mundo em (como gosto de brincar, dizendo...) que os jovens só faltam nascer, não mais ligados à mãe pelo cordão umbilical, mas sim por um cabo USB, tamanha a desenvoltura com a tecnologia de ponta. Entretanto, educação de qualidade não se faz apenas com equipamentos. Incentivar o hábito da leitura, desde a mais tenra idade, é talvez uma das melhores formas de estimular a aprendizagem em sentido universal.
Observação: Imagem acima, digitalizada de uma antiga propaganda de assinaturas de revistas da Editora Abril, cujo o slogan, bem apropriado a esta postagem, era: "O Universo está em expansão. E o seu conhecimento?".
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