domingo, fevereiro 10, 2008

O Ser e o Nada


Vivemos na Sociedade da Imagem e da Informação, onde justamente o Parecer importa mais do que o Ser. Por isso, independente de talento, criatividade e originalidade para arte, cultura, etc., faz-se necessário, para ser visível à mídia, a contratação de agente de imprensa para “vender e gerenciar” a imagem ao público consumidor, ávido por tudo que diz respeito ao ídolo. Jogadores de futebol, modelos, escritores, políticos, “papagaios-de-pirata”, enfim, uma série de personalidades (ou quase), necessitam desse profissional - a tiracolo do segurança particular e do personal training... Ainda que em seus 15 minutos de fama, como profetizou o artista plástico Andy Warhol, nos anos 80.
O que isso representa? Que no final do século XX e início do XXI, as celebridades ou aspirantes a ela, descobriram por acaso o que o filósofo alemão J.F. Herbart, em pleno século XIX já definira: “...a mente funciona com base em representações – que podem ser imagens, idéias ou qualquer outro tipo de manifestação psíquica isolada”. E as crianças, mais suscetíveis, são o reflexo do que vêem na TV, videogames, PC’s, internet, celular (os novos espelhos do Descobrimento, quinhentos anos após)...
Com o advento da fotografia, depois o cinema, a televisão e atualmente a internet, nunca a imagem, em sentido amplo, esteve tão no centro de nossas atenções, divulgando o que somos, pensamos ser, o que queremos ser ou tão-somente esconder. Alguns narcisos inclusive dão entrevistas, na 3ª pessoa do singular. Se auto-elogiam, não aceitando críticas contrárias, partindo logo para o ataque e o contra-ataque. Afinal, vivemos no País do Futebol.
Para Gerd Bornheim, professor de filosofia, o livro de Jean-Paul Sartre O Ser e o Nada, “é o principal edifício na construção do existencialismo” (doutrina que formula o problema da dimensão do ser do homem, afirmando que o existir é uma dimensão primária e radical e que todas as demais coisas se dão na existência; que não podemos derivar a existência do pensamento, visto já encontrarmos este radicado na existência.) Sartre, filósofo francês, inclusive, agraciado com o Prêmio Nobel por sua obra, recusou a láurea máxima da literatura mundial “para não ajudar na construção da própria estátua”.
Hoje, os tempos e os valores são outros. Vejamos por exemplo: a top model cria a sua própria grife, o perfume personalizado, tem página na internet, controla cada passo de sua carreira de olho nas leis e medidas do mercado; o jogador de futebol usa chuteiras coloridas (dourada, prateada...), assina contrato de exclusividade com poderosas empresas de marketing esportivo, e quando faz o gol, retira a camisa, talvez – Freud explicasse!?! -, querendo dizer que o Ser (Eu fiz! Eu posso! Eu sou o melhor!) se sobrepõe ao Nada (o clube, o time, a seleção nacional) que lhe paga astronômico salário; o escritor e seus livros de ficção ou não-ficção, escritos, não para o Ser, mas para o Mercado, sejam de auto-ajuda ou não, são livros que beneficiam (economicamente falando) mais ao seu criador do que à criatura; o político troca de partido e ideologia, como quem troca de camisa, contrata marqueteiros para promover sua imagem – o Ser – e sua plataforma política é uma sucessão de idéias repetitivas e impraticáveis – o Nada. Se o partido não lhe concede a vaga à disputa eleitoral, muito simples: muda-se de partido! E ponto final.
Fora honrosas exceções, não há comprometimento das celebridades com as causas humanitárias, salvo, se for para o bem de sua Imagem! Porém, muitos criam ONGs, mais com o objetivo de obter regalias do Fisco, do que realmente promoção da solidariedade. O próprio patrocinador está mais interessado em divulgar sua marca do que incentivar o esporte, a arte e a cultura nacionais. Prova disso é que, aqueles menos conhecidos, sofrem à procura de recursos para ir a Olimpíadas, mundiais, encenar uma peça, publicar um livro... Vide seleção feminina de futebol, medalha de prata em Atenas 2004 - reunida dois meses antes do evento -, e, após a conquista da medalha inédita, a maioria das atletas (o Ser) ainda está sem clube – sem Nada. São lembrados e beneficiados, justamente os “monstros sagrados” e sua imagem vitoriosa que renderão dividendos dourados.
Paradoxal e profética, pois, a assertiva de Fernando Pessoa, em seu conto “O banqueiro anarquista”, quando, no início do século passado, deixou-nos essa pérola, entre tantas outras:“Temos, pois, que uma coisa é evidente... No estado social presente não é possível um grupo de homens, por bem intencionados que sejam todos, por preocupados que estejam todos só em combater as ficções sociais e em trabalhar pela liberdade, trabalharem juntos sem que espontaneamente criem entre si tirania, sem criar entre si uma tirania nova, suplementar à das ficções sociais, sem destruir na prática tudo quanto querem na teoria, sem involuntariamente estorvar o mais possível o próprio intuito que querem promover. O que há a fazer? É muito simples... É trabalharmos todos para o mesmo fim, mas separados.”
Por ficções sociais diríamos fome, miséria, violência, desemprego, opressão?...
Observação 1: Artigo acima, de minha autoria, publicado originalmente no Jornal Letra Viva, nº 08, janeiro/2005.
Observação 2: Imagem acima, intitulada O umbigo do mundo, extraída da internet, do endereço http://tecnopop.info.
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