domingo, janeiro 27, 2008

deus ex machina


A expressão “deus ex machina”, segundo Massaud Moisés: “Designava, no teatro grego, a técnica artificial de precipitar o desenlace das tragédias com o aparecimento súbito de uma divindade em cena, por meio de um mecanismo, que a fazia descer do teto, a elevava do solo ou lhe permitia executar movimentos no ar, como se voasse. (...) Posteriormente, adquirindo sentido figurado, o expediente designava toda intervenção, propositada e incoerente, que visasse resolver o conflito em cena ou no transcorrer da narrativa”. Qualquer semelhança com os efeitos especiais da vida atual, e o poderio de “máquina”, desejando ser deus, que a Mídia tem nesse “espetáculo”, não é mera coincidência. Relativizados estão lógica, bom senso e, acima de tudo, a inteligência do cidadão. E no olho do furacão eleitoral a palavra “novo”: ora dizendo-se a “novidade”, ora pedindo a continuidade (o de novo).
A política brasileira insiste no “efeito bumerangue”: do discurso oposicionista utilizado por candidato voltar-se contra o lançador, quando eleito; ou do ex-situacionista tornar-se intransigente opositor. Então, assiste-se ao que o crítico renascentista Ludovico Castelvetro, a partir da obra de Aristóteles, definiu como “a teoria da probabilidade menos freqüente”. O poeta “deve preferir prováveis impossibilidades a improváveis possibilidades”, tradução de S.H. Butcher do conselho do filósofo grego, autor de Poética. E a tradução livre da máxima aristotélica para a contemporaneidade, poderia ser: “É preferível acreditar que os políticos, em geral, são eleitos visando o bem comum e não a interesses corporativos e pessoais; a ter que acreditar que as primeiras situações cederam de vez às segundas intenções”.
Para Alfredo Leme Coelho de Carvalho: “Aristóteles adverte aos críticos que não devem chegar apressadamente a conclusões falsas, fazendo julgamentos prévios e estranhando depois que o poeta não siga essas pressuposições, ao invés de observar antes a materialidade dos fatos”. Conselho milenar que deveria ser ouvido por manipuladores de opinião, que elegem adversários e polemizam debates, sem verificar fatos e fontes, partidarizando igualmente comentários, com o intuito de fustigar adversários. Estes trágicos comentaristas deveriam adotar a lógica do GPS (equipamento de posicionamento global por satélite) que, graças à triangulação de três ou mais sinais de satélite em órbita da Terra, determinam com precisão a posição de alguém sob o globo terrestre. Na grande mídia basta a posição do diretor-presidente para que a linha editorial da empresa vincule-se a esta, sem contestação. Nem sempre a precisão da verdade das ruas é espelhada na tela da TV, que às vezes idealiza notícias, como faz com o entrevistado submetido à maquilagem para que sua imagem pareça mais natural diante das câmeras. A lógica de maquiar os fatos vem de longa data. Liberdade de imprensa - para alguns veículos de tendência conservadora, que mantém ligações umbilicais com o poder pela conveniência ideológica ou a sobrevivência econômica - é uma improvável possibilidade; pelo fato que, sendo possível, é inacreditável de acontecer. Cada um tem a sua opinião, mas a verdade de uns parece maior que a de outros quando se potencializa aparato midiático a apenas um setor. Três minutos diários de comentário - em rede nacional ou regional de rádio e TV - bastam para que estragos irremovíveis sejam feitos à imagem de alguém. Décadas de vida pública podem ser lançadas à vala comum da dúvida, se o comunicador não tem o devido cuidado de checar às fontes ou se for com “muita sede ao poço” do discurso fácil e vazio, travestido de opinião abalizada e isenta. Comentários precipitados, dos que se dizem defensores da ética (para os outros!), são veiculados, via de regra, desprovidos de fundamentação lógica e impregnados de ideologia inversa a de quem é imprecada a crítica.
A probabilidade menos freqüente, tal qual licença poética, embora possível, é, atualmente, improvável de reversão sem que também o cidadão mude o foco (ou canal) de análise crítica dos fatos (mostrados pelas endeusadas máquinas), buscando sempre segunda opinião, como se faz com diagnósticos médicos.
Observação 1: Artigo acima, publicado originalmente no Jornal Letra Viva, nº 34, março/2007.
Observação 2: Imagem acima, ilustrativa do que seja o mecanismo "deus ex machina" utilizado no antigo teatro grego, extraída da internet, do endereço
www.dkimages.com/discover/previews/905/688772.JPG.
Observação 3: A diferença entre o dispositivo original e seu contemporâneo, utilizado largamente por parte da mídia, é que antes a platéia percebia a sua existência, e hoje é muito bem disfarçado tal equipamento, por alguns manipuladores, digo, formadores de opinião.
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