sábado, janeiro 12, 2008

A geração que esbanjou seus poetas

O livro de Roman Jakobson “A geração que esbanjou seus poetas” é um ensaio sobre a poesia russa e uma série de desencantos, suicídios e mortes de grandes autores, dentre eles Vladimir Maiakóvski, talvez seu maior expoente. Jakobson escreveu este livro em 1931, um ano após o suicidio de Maiakóvski, de quem era amigo pessoal, dizendo que nos últimos versos do poeta estava a visão do ausente e a insuportável consciência do irremediável. Jakobson relata que “os dados preliminares da investigação indicaram que o suicídio foi provocado por motivos de ordem estritamente pessoal” E que Maiakóvski escrevera na autobiografía: “Por motivos pessoais, mas sobre o modo coletivo de vida”. Algumas passagens de versos do poeta russo são de um impresionante realismo e comovente desilusão com a vida, prenunciando a fatalidade que se consumaria: “Sinto que sou pequeno demais para mim mesmo”; “Alguém teima em escapar de mim”; “A terra maldita agrilhou-me/ O futuro proibido pela vida cotidiana”; “A vida cotidiana sem o menor movimento/ tudo está como sempre foi durante séculos/ É como um cavalo que não se move/ porque não foi chicoteado”; “A gordurinha invade as fendas da vida cotidiana/ e se solidifica ampla e silenciosamente/ está coberta de mofo, a vidinha velha,/ velhinha de todos os dias/ a vida cotidiana penetra em todas as frestas”. Jakobson diz que “é diretamente na vida cotidiana e entorpecida que o poeta crava o prego das palavras”. Maiakóvski noutras passagens poéticas exercita seu ofício mágico: “O mesmo careca, o grande mestre da dança conduz, sem ser visto, o cancã terrestre. Às vezes como diabo, às vezes brilhando como Deus, aparecendo atrás das nuvens”; “Os homens poderão sair dos dias assim como os passageiros dos bondes e dos ônibus… Você pode transformar em redemoinho os extensos, lentos anos da dor, encolher a cabeça nos ombros; acima de você, sem ferir nem tocar, o projétil do sol haverá de passar cem vezes por minuto, acabando com os dias escuros”; “Sairei pela cidade, deixando a alma aos farrapos nas lanças das casas…”; “Não há para onde fugir/ a canoa do amor se quebrou no cotidiano”; ”No coração o chumbo! Para que não haja nem mesmo um tremor!”; “O que há conosco, será que perdemos nossa juventude?”; “Vivi,/ trabalhei,/ comecei a envelhecer…/ E minha vida passará/ como passaram ao longe as ilhas dos Açores…”; “Atravessarei minha pátria de lado/ como a chuva oblíqua do verão”. Há Poetas e poetas. Maiakóvski, com certeza, era com P maiúsculo.
Jakobson concluiu: “O futuro também não nos pertence. Daqui a algumas dezenas de anos, seremos chamados sem qualquer piedade, de gente do milenio passado”. Mas, gente que soube escrever como poucos!
Aleksándr Serguéievitch disse: “Mas breve/ estarei mudo/ e inerme,/ e mortos,/ seremos já/ quase vizinhos…” Para Khlébnikov: “Surdo, o universo dorme”. Porém, mais profético do que Maiakóvski só o próprio, quando diz: “O poeta morreu, antes do homem/ anunciaremos ao mundo um novo mito”. Parafraseando Vargas: “Saiu da vida para entrar para a História… da poesia…” Um livro sobre poetas e poesia, que é um grande poema também.
Observação 1: Texto acima, de minha autoria, publicado originalmente no jornal Letra Viva, nº 29, edição de outubro/2006.
Observação 2: Imagem acima, extraída da internet, do endereço http://www.cosacnaify.com.br, colagem de A. Rodchenko para a capa do livro de Roman Jakobson, A geração que esbanjou seus poetas.