Fernando em Primeira Pessoa
Talvez o poeta mais complexo que já existiu. Seus heterônimos, cada qual com um estilo próprio, uma personalidade definida e uma biografia diversa, são provas de sua genialidade. Nenhum poeta (a não ser Shakespeare) desvendou a alma humana e suas contradições, como Fernando Pessoa, ou também: Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, entre outros “clones” que ele deu vida poética... Foi um ser enigmático, e um poeta originalíssimo, rivalizando e até superando em terras lusitanas o prestígio do, então insuperável, Luís de Camões, autor do poema épico Os Lusíadas.
Quando o poeta escreveu: “Navegar é preciso/ Viver não é preciso”, inspirado na frase de antigos navegadores, estaria metrificando ou profetizando sobre a importância que teria para uns a Internet e o “navegar” nas salas de bate-papo em que muitas pessoas (Fernandos ou não), passam horas a fio conectados, vivendo num mundo virtual, e, muitas vezes, trocando sua vida real por essa idealizada? “O poeta é um fingidor/ Finge ser dor e dor que deveras sente”, são outros versos imortais de Pessoa, que se prestam a várias interpretações. Sua obra dispensa apresentações. Quem, em algum dia de sua vida, não se deparou com a citação de um poema, um verso, uma frase de Pessoa, em um livro, artigo, filme, música, propaganda?
Vejam só esse fragmento de um de seus poemas, O Mistério do Mundo: “...Nos vastos céus estrelados/Que estão além da razão,/Sob a regência de fados/Que ninguém sabe o que são,/Há sistemas infinitos./Sóis centros de mundos seus,/E cada sol é um Deus./Eternamente excluídos/Uns dos outros, cada um/É universo...” Em seu conto O Banqueiro Anarquista, Pessoa exercita, além da crítica e da fina ironia, um pouco de vidência talvez. Percebam a pérola que o poeta nos legou: “Temos, pois, que uma coisa é evidente... No estado social presente não é possível um grupo de homens, por bem intencionados que sejam todos, por preocupados que estejam todos só em combater as ficções sociais e em trabalhar pela liberdade, trabalharem juntos sem que espontaneamente criem entre si tirania, sem criar entre si uma tirania nova, suplementar à das ficções sociais, sem destruir na prática tudo quanto querem na teoria, sem involuntariamente estorvar o mais possível o próprio intuito que querem promover. O que há a fazer? É muito simples... É trabalharmos todos para o mesmo fim, mas separados.” Mais atual, impossível. Por ficções sociais podemos dizer: fome, miséria, desemprego, violência?
Observação 1: Texto acima, de minha autoria, publicado originalmente no Jornal Letra Viva, nº 13, junho/2005.
Observação 2: Imagem acima, extraída da internet, do endereço
http://alunos.lis.ulusiada.pt/11007401/images/fernandopessoa.jpg
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