segunda-feira, maio 26, 2008

O corte transversal da sociedade


O título desta postagem, é uma expressão cunhada por Érico Veríssimo, o maior escritor gaúcho, que a utilizou, segundo o prof. Flávio Loureiro Chaves, em nota introdutória de uma das reedições do livro Caminhos Cruzados, escrito em 1934.
Essa mesma expressão utilizei em ensaio da especialização em História do Rio Grande do Sul - sociedade, política e cultura, ao analisar justamente as figuras históricas de Érico e Getúlio Vargas, dois gaúchos interioranos, o primeiro de Cruz Alta e o segundo de São Borja, que nos anos 1930 irão cada qual, em suas respectivas áreas, literatura e política, desempenhar papel na vida, história e cultura do Estado e do país. Tracei na referido ensaio os antecendetes da revolução de 1930 e do Romace de Trinta, que coincidentemente, ou nem tanto assim, serão atores e personagens reais dos episódios de 1922. A Semana de Arte Moderna e o levante do Forte de Copacabana, que participaram os tenentes que apoiaram Getúlio em 1930, bem como o Romance de Trinta tem certo embrião na referida semana de 1922.
A vida tem seus caminhos cruzados, que o tempo e o vento vão nos mostrando pouco a pouco... E esta postagem, por incrível que pareça, não é pra discutir política nem literatura, pelo menos de forma direta, e sim cultura e futebol. Isso mesmo.
Ontem a tarde, larguei de mão as leituras do mestrado em Letras, e deixei de lado Gastón Bachelard e suas poéticas do espaço e do devaneio, e fui a um estádio de futebol - o Aldo Dapuzzo, em Rio Grande - assistir ao clássico da cidade, chamado de Rio-Rita: Rio Grande versus São Paulo. Faziam mais de 3 anos que eu não ía na cidade a um jogo de futebol, primeiro por conta das campanhas sofríveis dos clubes citadinos, depois pela questão da violência nos estádios, e por fim pela estrita falta de tempo. A partir de comentário de amigos, de notícias nos jornais, comecei a me interessar. Como o primo de minha esposa ía, acabei indo também pra me encontrar com ele lá. Chegando ao estádio, fila imensa, estádio lotado, mas consegui ingresso e me pus no local que acho mais aconselhável num campo de futebol pra ter uma visão panorâmica. Numa das extremidades, bem no alto, onde posso ter um "corte transversal" , diagonal do jogo, e também da sociedade, vendo os dois times se deslocarem, com suas estratégias de jogo. Na política também tal colocação dá ao pesquisador uma visão privilegiada do espetáculo... Ali no estádio estavam famílias inteiras presentes, fruto de uma campanha dos clubes para angariar sócios e público aos seus jogos. Mulheres e crianças não pagam.
Antes de iniciar o jogo tentei ver se encontrava o Paulo, primo da minha esposa, mas a multidão de rostos não permitiu. Preferi garantir o local privilegiado. Ali sentando, aguardando a bolar rolar, de celular em punho, mandava e recebia mensagens msm (torpedos) de Bete (esposa), contando detalhes; trocando idéias sobre educação com colega e conversando sobre futebol com um vizinho que tava do outro lado do estádio. O que seria de mim sem o celular, a famílai, os amigos e os livros... Risos.
Com a bola em jogo, outra grata surpresa: o bom nível do espetáculo. E não é que eu, lá do alto da arquibancada, com o corte tranversal da sociedade me pus e analisar o jogol em campo e a torcida nas arquibancadas. Era uma festa com direito a charanga, hino de guerra, provocações, mas tudo na maiori alegria e civilidade. E eu, um adepto da fusão dos 3 clubes (Rio Grande São Paulo e Rio-Grandense) num único, de preferência o que leva o nome do município e o mais antigo do país, fundado em 1900, mudei meu foco. Percebi que é aquela doce rivalidade de músicas adaptadas, recheadas de palavrões e provocações ingênuas (se é que pode-se dizer isso, em se tratando de futebol). Mas é isso o que mantém vivo o espírito esportivo, o esporte e os próprios clubes: a rivalidade. Fusão, que nada! Os dois times se equipararam, sendo o resultado um justo 2x2. E eu, lá do alto, em minha "poética do devaneio", passei a olhar alguns jogadores com físico aparentemente acima do peso, e lembrei-me da reprotagem que li sobre a compleição física dos antigos gladiadores, que nada tinha a ver com o perfil atlético de um Russelll Crowe, do filme Gladiador, de Ridley Scott. Pesquisas arqueológicas em milenar cemitério de gladiadores apontaram que o perfil desses lutadores era estatura baixa, corpo atarracado, com bastante gordura pra suportar os excessos dos jogos e os machucados decorrentes de espadas, lanças, rede e tudo mais. Estava eu diante da história viva de gladiadores modernos, dadas às devidas proporções. Um estádio de futebol, ora se assemelha a um teatro ao vivo, em que nenhuma tecnologia bate a emoção de assistir a um espetáculo único, apesar de não ter telão, replay, nem tira-teima. Fui me abaixar pra comprar uma porção de fritas e perdi o segundo gol do Rio Grande. Cada detalhe é visto num ângulo aberto e não no enquadramento do câmera da televisão. 90 minutos num estádio voam perto dos mesmo diante de uma TV. No final, o empate agradou a gregos e romanos, rio-grandinos, nortenses e demais torcedores presentes ao coliseu, digo, estádio de futebol. Voltarei outras vezes, e trarei da próxima vez a família, principalmente a esposa e filho Allan de 3 anos, pra ir se adaptando ao esporte e ao corte transversal da sociedade.
Quanto ao ensaio de mesmo nome, assim que der, publicarei o mesmo na íntegra, através do programa Scribd, que permite que se insira no blog textos longos, como artigos, ensaios, monografias, livros, etc. E que já comentei esse recurso em postagem anterior.
Observação: Imagem acima, fragmento de colagem de minha autoria, feita há mais de 8 anos atrás, a partir de recortes de revistas antigas, usando apenas tesoura e cola bastão e digitalizando para o computador o resultado final.