domingo, julho 06, 2008

Vida, Cinema e Educação



Essa semana perdi uma amiga e colega, a profª. Glória Pereira, diretora da E.M. Sant'Ana, de Rio Grande - RS - Brasil, e hoje completa-se o 7º dia de sua partida. Apesar de não termos muita convivência e não sermos tão íntimos, a amizade e o coleguismo não são avaliados por tempo e espaço, ainda mais em tempos digitais em que as barreiras de tempo e espaço são rompidas a todo instante. Glória não era uma amiga digital. Nunca falei com ela via MSN, orkut, sequer e-mail. A convivência era colateral por conta de sua amizade com minha esposa Elisabete, também professora, que foi sua colega na escola Sant'Ana.
Mas Glória era uma pessoa especial, como pude perceber nas poucas e boas viagens com alunos ao Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS, em Porto Alegre - RS - Brasil, que tive o privilégio de acompanhar, junto com minha esposa; além de jantares, festas escolares, seminários e outras atividades educacionais. Glória é e foi uma daquelas pessoas que marcam presença e lideram um grupo pela sua personalidade forte, suas palavras e ações.
Infelizmente não pude ir à sua despedida, por conta de compromissos profissionais, nem minha esposa, acometida de mal-estar súbito. Mas há pessoas que permanecem na gente, ainda que distantes no tempo e no espaço. Glória é uma dessas...
Ser professor é professar a fé em algo (ensino, escola, num mundo melhor) e em alguém (no aluno, no colega...). E por conta dessa perda para a educação aqui da cidade, lembrei casualmente do filme Sociedade dos Poetas Mortos, e daquela cena antológica quando o professor interpretado por Robin Williams é demitido da escola conservadora e teórica por conta de sua prática inovadora, e vem se despedir da sua turma (vídeo acima, capturado do YouTube, com link abaixo deste post). Quando se perde alguém, passa um "filme" em nossa cabeça. Quem assistiu ao premiado filme de Peter Weir não esquecerá jamais da cena final. Um filme para ser visto por pais e filhos, professores e alunos, num turno, em que dois ou mais professores juntem suas turmas e horários para que seja visto na íntegra e depois debatido alguns aspectos que dizem respeito a todos.
O filme começa com a chegada do novo professor, ex-aluno da instituição, e em uma das cenas inesquecíveis, ele pede aos alunos de sua turma de Literatura que rasguem uma das páginas do livro didático adotado como Bíblia pela escola tradicional, numa alusão às práticas que não mudam, se repetem mesmo que ineficazes, pois assim diz a regra que deve ser e que não se deve "nunca" questionar. Depois tem a cena do Carpem Diem, aproveitem o dia (que também pode ser baixada do YouTube), em que o professor mostra retratos antigos, amarelados de ex-alunos brilhantes da instituição que não aproveitaram os dias, e acabaram morrendo sem pôr em prática seus sonhos. Mais adiante, se reúne com os alunos que mais se identificam com seu método no local batizado de Sociedade dos Poetas Mortos, onde liam obras de poetas e escritores já mortos, daí a explicação para o título do filme. Um dos jovens quer ser poeta e ator, mas a opressão familiar, principalmente do pai, o impede de seguir seu ideal, devendo ser advogado para seguir a "tradição" familiar, o que acaba de forma trágica.
Mas a cena final é avassaladora (revejam-na, no vídeo acima), quando o professor é demitido por conta de sua "prática inusitada" e vem pegar seus pertences, e encontra na sala um professor por demais pragmático, repetindo a velha lição desbotada, indignado pela falta de uma página do tal livro... Quando um dos alunos sobe à mesa e grita Ó Captain, My Captain (versos do poeta Walt Whitman), outros repetem o gesto, que tinha sido feito no início do filme pelo próprio professor. Pode-se perceber a turma dividida entre os que sobem nas classes e os que ficam de cabeça baixa com medo do outro professor e suas ameaças.
Que lições trazem esse filme? Primeiro que nem tudo que seja fictício é mera coincidência com a realidade. Que tanto os poetas como os professores mortos, que souberam aproveitar à vida (Carpem diem), deixam aos seus alunos um legado imortal, que passará de geração a geração. Paulo Freire ou Carlos Drummond não estão mais entre nós, no espaço, mas no tempo estão e estarão sempre atuais e referenciais, cada qual em sua área. Que o aluno que é modelo para a escola conservadora nem sempre está melhor empregado e realizado. O que parece um paradoxo, e o que é espirituoso e provocador (considerado por uns como indisciplinado ou aluno-problema), pode ter naquele tipo de ensino pragmático e tradicional também o seu próprio problema, por não se adaptar àquela estrutura monolítica. Educar, hoje mais do que nunca, pressupõem mediar o conhecimento, articular os saberes, entre o formal, aprendido pelo professor nas instituições de ensino, com o popular, trazido de casa pelo aluno. Qual é afinal o problema da escola atual? O aluno, o professor, o ensino, o livro didático? Nenhuma das respostas ou todas as alternativas? Embora essa pergunta tenha múltiplas respostas, não é uma pergunta de escolha múltipla, em que basta marcar um X e está resolvida a questão, muito pelo contrário. É uma questão em aberto que requer a análise de diversos fatores sob os mais diferenciados enfoques. E que um post despretensioso não poderá responder.
Comparando a educação atual com a mostrada no filme Dead Poets Society, que retrata uma instituição tradicional dos EUA, nos anos 1950, podemos dizer que ainda há uma estrutura similar em boa parte das escolas públicas brasileiras, mesmo passados mais de meio século. Não é uma crítica mas uma constatação. O professor que tenta inovar é recebido com receio tanto por alunos, professores que são colegas, equipe diretiva e principalmente os pais, que carregam em seu imaginário a idealização do professor tal qual a de um sacerdote, com a aura de um modelo que não pode mudar sua postura nem o conteúdo que vem de cima para baixo. Professores que "rasgam" páginas da cartilha, e chamam seus alunos para aproveitar à vida, a partir de experiências comuns a todos, mas com forte amparo teórico e prático (construtivista ou não), são tidos como "malucos-beleza" até pelos colegas, que os rotulam como quem só quer passear fora de aula e deixar os alunos se moverem, uns ensinando os outros. Imaginem que bagunça pode parecer para quem não concorda com esse tipo de filosofia educacional.
Será que educar restringe-se apenas a dia, hora e local pré-determinados? Que educar fora da sala de aula não é educar? Se for assim, realmente está aí o grande problema e a resposta para a crise da sociedade, que delega à escola sua tarefa também de primeiro educador de uma criança, e que alguns professores acreditam que são educadores apenas enquanto estão na sua sala de aula, e tocando a sineta, o sino, a sirene, etc., já cumpriram com seu dever e ponto final. A vida é uma eterna retiscência, quando não uma imóvel interrogação que nos acompanha por toda vida. Temo por aqueles que julgam ter achado todas as respotas, inclusive para as perguntas que ainda nem foram formuladas! Esses phD em tudo são os que menos sabem da vida real. São teóricos do não-viver. Como brinco com meus amigos, a única certeza que tenho comigo é a de que dúvidas sempre terei! E que estou sempre aprendendo com meus alunos, sejam eles alunos mesmo ou professores cursistas. E os cursos de Linux Educacional estão aí pra que eu aprenda com eles, mediando o conhecimento...
Com base nisso, vejo aquela cena final de um jeito diferente do que meu colega conservador. Vejo um professor que rompe com modelos mas não com a forma de educar o homem pelo homem, a partir de suas vivências, sonhos e desilusões. Aquele professor já foi um aluno naquela instituição e sentiu na pele o que deveria ser mudado e quis mudar. Mas o sistema não muda de uma vez só, e nem a partir de apenas uma pessoa. A história de humanidade é feita de mártires, que foram os precursores, e que só foram reconhecidos em seu mérito após a morte.
Então, quando no filme simbolicamente o primeiro aluno sobe na mesa e é seguido lentamente por mais alguns, enquanto os demais ficam de cabeça baixa com medo do professor repressor estamos replicando o mundo educacional em que para tudo há os que acompanham e os que permanecem estáticos, sejam alunos ou professores, pais ou alunos. Vejo que aqueles que "sobem na mesa", não no sentido de serem indisciplinados mas solidários ao método de ensino que aprovaram estão mais propensos ao sucesso, ainda que a escola tradicional reprove ética, moral e educacionalmente sua postura. E que os que são alunos modelos para um ensino conservador e ultrapassado, estão fadados a pagar o preço desse conformismo, lá fora.
Porém, para o professor tradicional, que vê apenas a superfície dos problemas de seus alunos, o que eles exteriorizam, subir na mesa é pura provocação e indisciplina que devem ser punidas com suspensão ou expulsão. E que acreditam que outros professores como o retratado por Robin Williams não querem dar aula e só brincar com os alunos.
Contudo, uma coisa é certa. Ao assitir ao filme, progressistas e conservadores se emocionam, tal qual as donas de casa diante do enredo de uma tele-novela, torcendo pelo "mocinho" e odiando a "megera", mesmo que na vida real cada um de nós, por nossos atos sejam para alguém tanto o "mocinho" como a "megera" da história real. Precisamos muito aprender a educar a nós mesmos primeiro, antes de nos aventurarmos a querer ensinar e dar lição de moral a quem quer que seja, tanto na ficção como na realidade, eis lição que o filme e a vida me ensinaram e que tento reproduzir em meus atos como cidadão e educador. Assistam, nos links abaixo, dois vídeos que tratam de educação (um cinema e outra música) e façam, suas próprias conclusões.

Dead Poets Society, de Peter Weir

Another Brick in The Wall, de Pink Floyd