sábado, julho 05, 2008

Second Life, apagão telefônico e filmes de ficção simulando à realidade


O que o jogo Second Life, o apagão telefônico em São Paulo e os filmes Duro de Matar 4.0, Matrix e Minority Report têm em comum? Talvez o fato de que nossa segunda vida (a digital, conectada a um PC, seja jogando o Second Life ou não) hoje tenha tanta importância, e em alguns casos até mais, do que a nossa vida real. A sociedade contemporânea está cada vez mais digitalizada. Nela se pode fazer tudo, ou quase tudo on-line, sem fios. Nos tornamos dependentes demais de um sistema que a mantenha em pleno funcionamento, tal qual a caldeira de uma imensa fábrica, que trabalha 24 horas sem direito a interrupção, pois se tal fato ocorrer o prejuízo poderá ser incalculável. Com o apagão telefônico, ocorrido recentemente no estado de São Paulo - Brasil, e com desdobramentos aos clientes de uma companhia telefônica, além de terras paulitanas, mostrou como o deus ex machina pode falhar como qualquer ser humano. Nada é infalível no mundo real e no digital, apesar das propagandas quererem demonstrar que são. Deus ex machina - ou o deus vindo da máquina, presente na máquina - é expressão usada pelo antigo teatro grego para definir o mecanismo de cordas, roldanas e rolamentos para erguer personagens pelo palco, simulando o vôo dos deuses.
Voamos longe e à distâncias cada vez mais longas com a tecnologia à disposição do mais simples dos mortais. Imaginem então àqueles que possuem algo que ainda não está no mercado! Com microcomputador e conexão com a internet (com ou sem fio), podemos conversar com pessoas a quilômetros de distância. Podemos fazer amizades ou trabalhar conectados a colegas do mundo inteiro, graças aos avanços da ciência e tecnologia, que deixaram mitos e sonhos de escritores e poetas do passado tão presentes em nosso cotidiano. É claro que ainda não criaram a máquina do tempo e suas viagens. Ainda? Ainda!
Essa por sinal, se possível - já que cientistas se dividem sobre esse aspecto, uns que dizem ser teoricamente possível, outros não -, seria temerária. Imaginem só terroristas do tempo, invadindo sistemas, e tentando mudar a história! Melhor nem pensar. Eu, particularmente, se existisse esse invento, nunca teria a intenção de mudar uma vírgula de meu passado, pois é a soma de tudo pelo que passei que me fez o homem que hoje sou. Lamento de muitas coisas feitas, mas não me arrependo de nenhuma, pois todas moldaram o meu ser. Somos seres fragmentados, apesar de não ter um desfragmentador de memórias ou informações, como alguns PCs. E nossa história universal, apesar de tudo, é o resultado do que somos: seres falhos que julgam criar máquinas infalíveis. O grande paradoxo humano.
O cinema tem trazido ao debate situações que a realidade depois copia. E não falo de filmes catástrofe. Filme como Matrix, além de sua revolução tecnológica, podem ser avaliados sobre outro enfoque que não apenas o científico, o tecnológico e o filosófico. Pode ser visto pelo ponto de vista jornalístico e político, como uma espécie de 1984 pós-moderno, em que o Grande Irmão pode ser um gigantesco computador que controla seres humanos, conectados às máquinas que sugam sua energia e implantam em suas mentes memórias falsas ou idealizadas. Hoje, se assistirmos aos telejornais, cada emissora de televisão é uma espécie de Big Brother (Grande Irmão) que tem sua linha pró e contra algo ou alguém. Que não apenas divulga cantores, mas tem os seus próprios cantores e artistas que não podem aparecer nas demais; que compram programas para serem exclusivos e às vezes os engavetam só pra que os concorrentes não possam utilizá-los; que mudam horários de jogos para não mudarem a sua programação; que expõem cidadãos nas grandes cidades ao risco de saírem de estádios na madrugada. Algo surreal que não é ficção. E os tele-espectadores, apesar de não estarem ainda plugados, recebem imagens, notícias subliminares por conta de formadores de opinião tendenciosos, que criticam seus desafetos e poupam seus correligionários. A mesma notícia em cada emissora tem uma versão própria, e todas dizem ser o reflexo da sociedade. Visões fragmentadas. E são, pois vivemos num mundo fragmentado, seja na família, na escola, em toda parte. A tendência é pelo individualismo e não pela solidariedade, e isso se reflete nos filmes que refletem a vida, que reproduzir o cinema, que é reprodução do dia a dia. Nossa! Quem imita quem? A vida ou a arte? Uma pergunta para Édipo Rei: decifra-me ou te devoro!, disse a ele a esfinge, numa peça teatral grega, escrita por Sófocles, que nunca esteve tão atual. Para muitos professores, apresentados pela primeira vez a um computador e seu sistema operacional, parece que estamos colocando-o diante da tal Esfinge grega, em que tudo parece literalmente grego, e que se mexer em algo poderá ser devorado pela máquina. Depois de passada essa fase, os que decifram o "enigma" da Educação Digital vêem que não exite o deus ex machina ( o deus vindo da máquina), até pelo fato de que a máquina é criada por nós, seres humanos, com nossos defeitos e qualidades.
No filme Minority Report, numa das cenas antológicas, o personagem de Tom Cruise, um policial que investiga e prende criminosos antes mesmo que esses comentam seus crimes, manipula com os dedos uma tela high-tech (de alta tecnologia), como hoje alguns alunos de escolas particulares pelo país afora o fazem, na chamada lousa eletrônica.
No filme Duro de Matar 4.0, uma idéia interessante, com um desenvolvimento e final patéticos, mostra o que aconteceriam se um ataque terrorista, comandado por hackers, controlasse todo o sistema de comunicações mundial, incluindo telefonia, internet, satétiles, etc.
O que levou ao apagão telefônico em São Paulo foi, segundo as primeiras notícias, um problema técnico ainda não esclarecido. Mas, hoje as telecomunicações são nossa segunda pele. E imaginar esse mundo High Tech sem o uso diário das tecnologias de ponta é mais do que um bom argumento para filme de ficção científica. Evidentemente que tal fato é improvável de acontecer em larga escala. Foi algo isolado, com grande repercussão, e já restabelecido o padrão de funcionamento,. embora tenha causado inúmeros transtornos aos internautas e pessoas que utilizam sistemas vinculados, ou seja, quase todo mundo naquela área de abrangência. Todavia, esse incidente é um pequeno aviso para avaliarmos o modelo de sociedade em que vivemos, vinculado por demais às máquinas, mesmo ainda sem a concretização da tal inteligência artificial, tão propalada pela ficção científica e o cinema. Esse fato demonstra que tanto máquinas como humanos ainda são falíveis, e que os sistemas são vulneráveis.
De tudo isso, resta a pergunta que não quer calar: quem imita quem? A arte imita à vida? Ou vice-versa?

Observação: Imagem acima, intitulada "salto-agulha", extraída da internet, do endereço http://samahell.wordpress.com/2008/01/18/salto-agulha/ , foi escolhida, já que essa postagem fala de tecnologia, pois os saltos tanto feminino como masculino talvez tenham sido o primeiro deus ex machina recurso tecnológico de massas que a humanidade passou a achar-se maior do que a estatura que tem. A expressão "salto-alto", no futebol, serve pra definir àqueles que jogam com a soberba nos pés, considerando-se o melhor antes mesmo de o jogo tenha iniciado. Convivemos em nosso dia-a-dia com muitos saltos de madeira ou digitais que elevam às pessoas além da estatura ética e moral que possuem, e que de fato são. Mas poucos são os Saltos Para o Futuro de todos. Não é apenas a tecnologia que irá mudar ao homem, se o próprio homem, tentando se assemelhar às máquinas, não se humanizar. Nem tudo, entre a vida e a ficção, é mera coincidência. E a ficção está aí para "legitimar" a realidade.

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