sexta-feira, maio 11, 2007
Ontem, durante a programação de encerramento do III Seminário Nacional de História da Literatura, promovido pelo Departamento de Artes e Letras da FURG - Rio Grande, participei, como mestrando em História da Literatura, de uma sala de comunicação, cujo tema me interessava: Adélia Prado, já que semana que vem terei que fazer uma breve apresentação sobre o livro O Coração Disparado, da poeta mineira, da cidade de Divinópolis.
A referida comunicação por Mônica Ferreira Cassana (UFPel - Universidade Federal de Pelotas-RS), intitulada "O poema de Adélia Prado como forma de aproximação dos textos literários e informativo", foi para mim uma surpresa dupla: além da questão literária, fui contemplado com a análise educacional e tecnológica do mesmo. Explico: Pra comer depois é um breve poema que consta do livro Bagagem, de 1976, e que trata, entre outras coisas, na opinião de Mônica do: avanço da tecnologia, da postura crítica da poeta a respeito da modernidade, do resgate dos valores humanos e da memória nos ambientes rural e urbano, e a fugacidade do tempo. Disse ainda que a mensagem que o poema traz é: deve se aproveitar cada dia.
Grata surpresa foi saber que Mônica trabalha como voluntária num projeto pré-vestibular gratuito, direcionado às pessoas de baixa renda, num universo de 40 alunos, entre 16 e 56 anos de idade, numa escola pública do bairro Areal, em Pelotas. Em 15 minutos, tempo estipulado para cada comunicação (e na sala 1, foram 5), àqueles que estiveram presentes puderam ouvir a experiência de uma jovem estudante de Letras que desenvolve um trabalho voluntário, que visa estimular a leitura e a produção escrita. Pra mim, foi mais que isso: uma lição de vida.
Mônica disse que dos 40 alunos, apenas 02 são leitores assíduos, e desses apenas 01 gosta de literatura, lendo inclusive Graciliano Ramos e Érico Veríssimo. Nada supreendente se proporcionalmente vermos que no país, num universo de mais de 180 milhões de brasileiros, a média de livros e leitores é bem pequena. Importante são as conclusões que Mônica e todo aquele que lida com educação e literatura (como é o meu caso também) chega: "que há certa compreensão mas não intepretação de textos, devido a falta do hábito da leitura; faltam elementos de coesão, e sobre de justaposição nos trabalhos do alunos, o que indica novamente a falta de leituras mais complexas. Que há um trauma de não ler, o que gera a falta de vontade de leitura; conclusão minha a partir das palavras de Mônica, que ainda diz: Que faltam ao leitor do projeto noções de causa, tempo e espaço. Os alunos lêem um texto, e ao analisá-lo, muitas vezes justapõem as mesmas palavras, só que no formato poesia, passando pra prosa. Que tudo é reflexo da realidade sócio-educacional do país, e do acumulo de riquezas e não bagagem cultural, no que concordo plenamente em gênero, número e grau, com Mônica. Por fim, a comunicante conclui que parte disso deve-se a ineficácia de um sistema educacional que não reconhece o estímulo a leitura. Realmente, não adianta distribuir livros se faltam bibliotecas e bibliotecários, ou que faltam professores e pais que estimulem a leitura. E o hábito da leitura deve ser estimulado na mais tenra idade, como todos os demais (higiene, cidadania, respeito ao próximo e ao meio ambiente, etc), pois dizem os especialistas: a partir dos 7 anos o jovem já está com a sua personalidade praticamente formada ou deformada, dependendo do ponto de vista. Antes de dar um videogame, um skate, uma "bike", um brinquedo ao seu filho, dê um livro, ainda que seja só de figuras pra desenhar e pintar, e sente-se ao lado dele, como faço com o meu, que não é por acaso que se chama Allan (em homenagem a Edgar Allan Poe, de quem tenho a maior admiração), e invente o início da história e deixe que a imaginação da criança construa o resto. Façam isso e verão em curto, médio e longo prazo o resultado. Somos a bagagem cultural que carregamos de criança até a velhice. Somos o resultado de nossas escolhas, como diz uma amiga. Mas acima de tudo, o resultado de nossas não-escolhas... Por sinal, como na figura acima, tenho pra esse fim-de-semana e aos próximos até o final do semestre, pilhas e pilhas de livros e textos para ler, tanto no mestardo como na especialização em tecnologia educacional (literatura,m educação e tecnologia, vivem de mãos dadas em mim). Mas não reclamo disso, pois ambas são frutos de minhas escolhas, e só tenho agradecer a possibilidade de estar realizando-as. Abaixo, o texto de Adélia, escrito há mais de 30 anos, mas ainda muito moderno e atual...
Pra comer depois
Na minha cidade, nos domingos de tarde
as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.
Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta,
A campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:
'Eh bobagem!',
Daqui a muito progresso tecno-ilógico,
quando for impossível detectar o domingo
pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,
em meu país de memória e sentimento,
basta fechar os olhos:
é domingo, é domingo, é domingo.
Adélia Prado, Bagagem, 1976.
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